domingo, 5 de abril de 2015

Idéia da Morte na Cinelândia (Primeira Versão)



Ó morrer como Jó, velho e “farto de dias”, todas as úlceras canceladas, duplicados os não sei quantos jumentos –,

pensa miudinho ao chegar à Cinelândia, o espaço batendo-lhe em cheio, devolvendo-lhe

umas ideias que não tivera tempo de aprofundar à hora do almoço,

é o que acontece a qualquer um que vem dar porventura à Cinelândia, seja por que lado for, é o espaço,

(o que acontece)

(o espaço para a morte dependurada)

esta irrupção – sempre imprevista – que vem testar o perímetro do fôlego,

que nos arranca em definitivo às celas bolorentas onde silenciosa e cotidianamente vamos perdendo a razão,

que é o último arranque,

(testar o perímetro do fôlego)

O que acontece a qualquer um que vem dar porventura à Cinelândia, jorro de espaço para aprofundar umas ideias de “boa morte”,

muito espaço, muita ocasião

para quem vinha já esboçando de ocupar-se do assunto desde a hora do almoço

e não pudera prosseguir,

esperavam-no

em seus próprios dissensos, suas próprias miúdas predileções, era tudo um bocado miúdo e um bocado cômico, era chamado já e sem demora para uma certa maneira plenamente identificável de fazer girar a cadeira sobre o vácuo carpete da sala, altear o peito, exprimir-se acerca de qualquer banalidade –,

em muito pouco tempo nos erguemos, pouco mais de um mês e já está lá do outro lado um reflexo, (um reflexo não se mata a pauladas),

não uma inquietação acerca da “boa morte”, a morte com que é recompensado Jó após longa provação, afinal

há gente que não mexe nessas coisas e passa muito bem

e eu entre elas e em nós, em meio a nós passam fieiras de pesadíssimas fardas

mas antes saber o que é “provação”, esboçar uma ideia de “provação”, não deixá-la dependurada assim, sobre a mesa do refeitório

trabalhou duro o dia inteiro para merecer enfim a gravidade destas palavras:

reconquistar a morte de Deus

morrer

morrer sob essa morte

livres

ao ter a visão da Cinelândia, livrar-se dela para depois adentrá-la,

eu entre elas e em meio a nós as fardas pisam as cruzes

pisam esta aberta hoje atada de luzes policialescas, e como, como reconquistaremos a morte de Deus?



(Páscoa, 2015)

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