Ó morrer como Jó, velho e “farto
de dias”, todas as úlceras canceladas, duplicados
os não sei quantos jumentos –,
pensa
miudinho ao chegar à Cinelândia, o
espaço batendo-lhe em
cheio, devolvendo-lhe
umas ideias que não tivera tempo
de aprofundar à hora do almoço,
é o que acontece a qualquer um que vem dar porventura à
Cinelândia, seja por que lado for, é o espaço,
(o que acontece)
(o espaço para a morte dependurada)
esta irrupção – sempre imprevista – que vem testar o perímetro
do fôlego,
que nos arranca em definitivo às celas bolorentas onde silenciosa e
cotidianamente vamos perdendo a razão,
que é o último arranque,
(testar o perímetro do fôlego)
O
que acontece a qualquer um que vem dar porventura à Cinelândia,
jorro de espaço
para aprofundar
umas
ideias
de “boa morte”,
muito
espaço, muita ocasião
para quem vinha
já esboçando de ocupar-se
do assunto desde a hora do almoço
e
não pudera prosseguir,
esperavam-no
em seus próprios dissensos, suas próprias miúdas
predileções,
era
tudo
um bocado miúdo e um bocado cômico,
era
chamado
já
e
sem demora para
uma certa
maneira plenamente identificável de fazer girar a cadeira sobre o vácuo carpete da sala,
altear
o peito, exprimir-se
acerca de qualquer banalidade
–,
em
muito pouco tempo nos erguemos,
pouco
mais de um mês e
já está lá do outro lado um
reflexo, (um
reflexo não se mata a pauladas),
não
uma
inquietação acerca da “boa morte”, a morte
com que é recompensado Jó após longa provação, afinal
há
gente que não mexe nessas coisas e passa muito bem
e
eu entre elas e em nós, em meio a nós passam fieiras de pesadíssimas
fardas
mas antes saber o que é “provação”, esboçar uma ideia de
“provação”, não deixá-la dependurada assim, sobre a mesa do refeitório
trabalhou duro o dia inteiro para merecer enfim a gravidade destas
palavras:
reconquistar a morte de Deus
morrer
morrer sob essa morte
livres
ao ter a visão da Cinelândia,
livrar-se dela para depois
adentrá-la,
eu entre elas e em meio a nós as fardas pisam as cruzes
pisam esta
aberta hoje
atada de
luzes policialescas, e
como, como
reconquistaremos a morte de Deus?
(Páscoa, 2015)
Nenhum comentário:
Postar um comentário